O PAI
Nascia na Rua Óscar da Silva, a 1 de Setembro de 1951. Luís Fernando Pereira dos Santos era então o terceiro filho de uma família que viria a conhecer mais sete. De Leça, pois claro. Foi reformado a 1 de Setembro de 2012, com 700 euros, ao fim de 40 anos de descontos e 51 de trabalho.
Filho de Fernando Pereira dos Santos e Maria Celeste, sim, sem apelidos. Fernando Pereira dos Santos era comerciante, alegadamente abastado. Teve um dos primeiros automóveis a surgir nas vielas de Leça. Poderia ter sido de facto abastado, não fosse gastar tudo em casas de má fama.
Vivia-se mal para além das aparências, como qualquer família viveria mal com 12 pessoas numa casa na década de 50. Luís Fernando frequentou a Escola da Amorosa, como os restantes nove irmãos.
Luís teve como professor da primeira classe João Teixeira Pimenta, um dos homens marcantes na história de Leça da Palmeira, que ajudou a fundar o Rancho Típico da Amorosa.Tinha também um professor de ginástica, Hernâni, conhecido por "Pica Orelhas". O cognome surgiu, está fácil de ver, porque era adepto das orelhas dos alunos.
Certo dia, na quarta classe, o professor Hernâni, durante uma aula de ginástica, deu um murro na barriga de Luís que o fez vomitar tudo. O exercício consistia em manter a barriga para dentro e Luís, na altura uma radiografia, conseguiu mantê-la para fora. Foi o fim das aulas de ginástica. Fernando Pereira dos Santos foi à escola saber por que motivo o professor havia batido no filho. Foi decidido que, como não fazia do que mandava o professor Hernâni, deixaria de frequentar a disciplina.
Luís tinha como companheiro de carteira Rui, que se manteve até à quarta classe, e, do professor Pimenta, levou apenas dois "bolos", reguadas, por estar a jogar aos cabazinhos (caricas) em cima da carteira.
Como era filho de comerciante, logo de gente com posses,não tinha direito ao lanche da escola. Ficava por isso a olhar, enquanto os meninos comprovadamente carenciados e atestados pela aparência comiam o pão com queijo amarelo.
Luís sempre foi apreciador de mulheres bonitas, não tivesse ele, anos mais tarde, vindo a casar com Elisa Magnífica Meireles - lá chegaremos. Vinha da catequese e estava a construir-se a Avenida Dr. Fernando Aroso. Nas valas, alguns escondidos entre os tubos. O esquema estava montado. Luís, Júlio, Zé Carlos e outros revezavam-se e desafiavam as raparigas a fazerem como eles: atravessarem a vala, com as pernas abertas, uma perna para cada lado. Elas estavam de saias, eles não. Eles viam o que queriam e elas ainda hoje não sabem o que lhe foi visto.
Incrivelmente para quem conhece hoje Luís Fernando, Fernando Santos achava que o filho tinha vocação para padre, fruto da influência do tio João, jesuíta e que ainda hoje espalha a fé pelas igrejas. Chegou mesmo a estar matriculado no seminário onde estava o tio, mas o padre Alcino intercedeu após uma conversa com Luís Fernando:
- Não queres ser sacerdote?
- Não. Nem gosto da escola.
Não foi. Saiu da escola aos dez anos e entrou para o negócio da família. Foi trabalhar para a oficina de Fernando Santos, que tinha marca própria de bicicletas e tudo: FERSAN.
Maria Celeste era a mulher da casa. Aturava os 10 filhos e o homem com quem havia casado, que estava longe de ser um marido.
Era, no entanto, uma casa de gente de bem: benfiquistas por obrigação. Fernando Pereira dos Santos não facilitava em determinadas coisas.
Bicicleta FERSAN:
«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e... a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, (...) privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos» José Saramago - Cadernos de Lanzarote
quarta-feira, setembro 26, 2012
segunda-feira, setembro 24, 2012
Crónica de duas reformas anunciadas I
Sou oficialmente filho de dois reformados. Reformas negras de vidas douradas, ao invés das tão famosas reformas douradas conseguidas por meios mais ou menos obscuros.
A Mãe
A minha Mãe foi reformada em Novembro de 2011, com 539 euros ao fim de 44 anos de descontos e a trabalhar desde os 13. Comemorou 60 anos.
Elisa Magnífica Meireles - um nome digno de um romance de 'Gabo' - nasceu a 19 de Julho de 1952, na aldeia de Linhares de Ansiães, concelho de Carrazeda de Ansiães, distrito de Bragança. Filha de Ana Natália Meireles e da pessoa que mais filhos tinha no tempo da ditadura fascista de Salazar: o incógnito.
Mesmo toda a gente sabendo o nome do pai incógnito, Ana Natália Meireles pegou na filha e mudou-se para o Porto, passados dois anos, quando o incógnito foi para o Brasil. E ser mãe solteira em 1952 e ainda mais no interior não haveria de ser fácil. Chegadas ao Porto, com a Invicta a receber aquela que viria a ser um exemplo de força, de vida e de coragem.
Elisa chegava assim ao Porto com dois anos. Ficaram as duas em casa da Tia Adelaide, na Rua do Breiner. Ana Natália "foi servir". Era criada interna em casa de senhores abastados e visitava a filha quando podia. Assim foi até aos cinco - quase seis - anos de Elisa.
Por essa altura, casou com um pescador de Leça da Palmeira, ainda que nascido na Póvoa de Varzim. Mudou-se para junto ao mar e deixou de servir, que o meu avô - não o incógnito - não permitia que mulher que a vida fez dele trabalhasse. Ou cortasse o cabelo. Ou que tirasse o avental. Ainda a década de 60 não tinha acabado. Já em Leça da Palmeira, Elisa tinha agora um pai. Rude como só as marés sabem ser e alcoólico como só o mar é capaz de fazer com que alguém seja.
José Luís Capelão tinha já quatro filhos, mas só um vivia com ele. Elisa ganhara irmãos. Os outros viriam mais tarde, ao longo dos anos, quando deixaram a Obra do Padre Grilo ou quando a mãe adoptiva os fez retornar à procedência.
Viviam na Rua do Cidral, em Leça, numa casa minúscula como a rua que a albergava. Capelão era particularmente implicativo quando o vinho falava por ele, mas raramente era mau para Elisa. Falava antes com Ana Natália, que se encarregava de aplicar o castigo necessário. Capelão guardava as angústias das marés para os fins-de-semana. Pegava num bocado de borrachava e descarregava nos filhos a frustração de não viver do mar. E no mar. Já à mulher, batia-lhe à chapada.
Elisa era boa aluna. Um dia, disse-lhe a professora da terceira classe e directora da escola do Corpo Santo, D. Alzira: "Quando tu cresceres, vais para minha criada". Era este o prémio que as pessoas do Povo recebiam por serem bons alunos. Ser criada da professora.
Nos passeios da escola, Elisa não tinha dinheiro para pagar as viagens. Era uma colega que as pagava, vinda de uma família que se destacara na indústria das conservas. Também na catequese - obrigatória para assimilar a fé - Elisa era aplicada e viria mesmo, anos mais tarde, a ensinar a palavra do Senhor.
A partir da quarta classe, era necessário um exame para quem quisesse continuar a estudar. Por ser boa aluna, a catequista, Menina Judite, oferecera-se para pagar-lhe os estudos, falando para isso com Ana Natália. Também a professora da quarta classe, a professora Matilde Brás Lago, se ofereceu para dar explicações gratuitas para o exame de admissão.
Feito o exame de admissão no Liceu D. Manuel, Elisa passou com distinção, ficando isenta de propinas. Estavam passados os primeiros 10 anos com muito mais que merecia aqui estar, mas que não está, que há coisas que só se devem ser saboreadas no papel.
A Mãe
A minha Mãe foi reformada em Novembro de 2011, com 539 euros ao fim de 44 anos de descontos e a trabalhar desde os 13. Comemorou 60 anos.
Elisa Magnífica Meireles - um nome digno de um romance de 'Gabo' - nasceu a 19 de Julho de 1952, na aldeia de Linhares de Ansiães, concelho de Carrazeda de Ansiães, distrito de Bragança. Filha de Ana Natália Meireles e da pessoa que mais filhos tinha no tempo da ditadura fascista de Salazar: o incógnito.
Mesmo toda a gente sabendo o nome do pai incógnito, Ana Natália Meireles pegou na filha e mudou-se para o Porto, passados dois anos, quando o incógnito foi para o Brasil. E ser mãe solteira em 1952 e ainda mais no interior não haveria de ser fácil. Chegadas ao Porto, com a Invicta a receber aquela que viria a ser um exemplo de força, de vida e de coragem.
Elisa chegava assim ao Porto com dois anos. Ficaram as duas em casa da Tia Adelaide, na Rua do Breiner. Ana Natália "foi servir". Era criada interna em casa de senhores abastados e visitava a filha quando podia. Assim foi até aos cinco - quase seis - anos de Elisa.
Por essa altura, casou com um pescador de Leça da Palmeira, ainda que nascido na Póvoa de Varzim. Mudou-se para junto ao mar e deixou de servir, que o meu avô - não o incógnito - não permitia que mulher que a vida fez dele trabalhasse. Ou cortasse o cabelo. Ou que tirasse o avental. Ainda a década de 60 não tinha acabado. Já em Leça da Palmeira, Elisa tinha agora um pai. Rude como só as marés sabem ser e alcoólico como só o mar é capaz de fazer com que alguém seja.
José Luís Capelão tinha já quatro filhos, mas só um vivia com ele. Elisa ganhara irmãos. Os outros viriam mais tarde, ao longo dos anos, quando deixaram a Obra do Padre Grilo ou quando a mãe adoptiva os fez retornar à procedência.
Viviam na Rua do Cidral, em Leça, numa casa minúscula como a rua que a albergava. Capelão era particularmente implicativo quando o vinho falava por ele, mas raramente era mau para Elisa. Falava antes com Ana Natália, que se encarregava de aplicar o castigo necessário. Capelão guardava as angústias das marés para os fins-de-semana. Pegava num bocado de borrachava e descarregava nos filhos a frustração de não viver do mar. E no mar. Já à mulher, batia-lhe à chapada.
Elisa era boa aluna. Um dia, disse-lhe a professora da terceira classe e directora da escola do Corpo Santo, D. Alzira: "Quando tu cresceres, vais para minha criada". Era este o prémio que as pessoas do Povo recebiam por serem bons alunos. Ser criada da professora.
Nos passeios da escola, Elisa não tinha dinheiro para pagar as viagens. Era uma colega que as pagava, vinda de uma família que se destacara na indústria das conservas. Também na catequese - obrigatória para assimilar a fé - Elisa era aplicada e viria mesmo, anos mais tarde, a ensinar a palavra do Senhor.
A partir da quarta classe, era necessário um exame para quem quisesse continuar a estudar. Por ser boa aluna, a catequista, Menina Judite, oferecera-se para pagar-lhe os estudos, falando para isso com Ana Natália. Também a professora da quarta classe, a professora Matilde Brás Lago, se ofereceu para dar explicações gratuitas para o exame de admissão.
Feito o exame de admissão no Liceu D. Manuel, Elisa passou com distinção, ficando isenta de propinas. Estavam passados os primeiros 10 anos com muito mais que merecia aqui estar, mas que não está, que há coisas que só se devem ser saboreadas no papel.
quinta-feira, setembro 20, 2012
O brinquedo é meu*
Foi notícia o caso da ambulância de S. Mamede, em que o
presidente da Câmara de Matosinhos esperava uma multidão mas, certamente por
motivos de força maior, atrasou-se e já lá não estava ninguém para receber tão
importante personagem. Note-se a importância do acto: a reentrega de uma
ambulância reparada, nem sequer era nova.
Certo é que o edil amuou e mandou recolher a viatura, que
certamente, na sua cabeça iluminada, faria mais jeito parada nas oficinas da
autarquia do que nos bombeiros. Com ou sem recepção e fanfarra.
Politicamente, S. Mamede de Infesta é uma espécie de Entroncamento do concelho de Matosinhos. São fenómenos atrás de fenómenos. Recordo-me de uma campanha eleitoral em que um candidato, presidente de uma associação da terra, usou os contactos dos associados para enviar cartas a apelar ao voto nele próprio. Mesmo para associados que já estavam mortos.
Politicamente, S. Mamede de Infesta é uma espécie de Entroncamento do concelho de Matosinhos. São fenómenos atrás de fenómenos. Recordo-me de uma campanha eleitoral em que um candidato, presidente de uma associação da terra, usou os contactos dos associados para enviar cartas a apelar ao voto nele próprio. Mesmo para associados que já estavam mortos.
Vai correndo com a normalidade habitual a vida política em
Matosinhos, principalmente em aquecimento para as eleições autárquicas. Desde
supostas violações da conta do Twitter do Narciso Miranda, até às birras
narcísicas do actual presidente, temos todos os ingredientes para mais uma
campanha muito peculiar.
*Publicado, originalmente, na edição de Setembro do Notícias de Matosinhos.
Adenda:
Faz tanto sentido.
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