Há um ano chorávamos os mortos no Haiti, que antes nem sabíamos vivos. Olhávamos, horrorizados, para um país que estava em ruínas e que ruiu por completo. Indignámo-nos com a força da natureza, que pôs no mapa um país que raramente era notícia. E foi mesmo notícia durante uns tempos, enquanto houve imagens de mortos e histórias impressionantes de sobrevivência.
Foi notícia enquanto a tragédia teve o condão de nos chocar - e há cada vez menos coisas que nos chocam, porque o choque deixou de ser excepção para ser a regra, seja no Haiti, na Palestina, no Sudão ou no Chade. O que ficou para trás já lá vai. É dos tempos que correm, diz-se, mas correm mais depressa para umas coisas que para outras. Sofremos tanto com o Haiti que nos desdobrámos em doações e telefonemas solidários, sem sabermos muito bem onde foram parar.
Sabíamos quase nada do Haiti, sobre o petróleo do Haiti e sobre a ocupação estrangeira daquele país. Os beneméritos EUA, sempre prontos a ajudar países com riquezas naturais, auxiliaram com o exército, através do Pentágono, o que levou mesmo à ocupação do aeroporto de Port-au-Prince por tropas estado-unidenses. Claro que a imensa propaganda dos media dominantes também anunciou uma ajuda financeira astronómica dos EUA ao Haiti. Noticiou-se a ajuda, mas nunca se controlou a sua chegada ao destino. Ou procurou, sequer, monitorizar as supostas ajudas.
Sem surpresas, "não mais que 27% dos recursos prometidos foram destinados e aplicados, na sua grande parte, para fins administrativos. Basicamente não se veem mudanças estruturais com relação a essa ajuda. Lembro que nos dia 31 de março de 2010, em uma conferência em Nova York, se prometeram US$ 11 bilhões - mas não chegou quase nada, chegaram US$ 250 milhões, e muito desses recursos foi usado para apoio orçamentário e para projetos bilaterais que já haviam sido aprovados anteriormente. Ou seja: a verdadeira reconstrução do país não foi feita".
A tragédia serviu para conhecermos que o Haiti não era (é) mais do que um laboratório de guerra para outros países, sem governo, que havia sido derrubado num golpe de estado patrocinado adivinhem lá por quem.
Ontem voltámos a lembrar-nos do Haiti, como haveremos de lembrar-nos quando passarem dois ou três anos, no máximo. Da mesma forma que nos esquecemos do tsunami que afectou uma série de países asiáticos na mesma altura do ano.
Quem não esquece é o Vaticano, honra seja feita a um estado que é dos mais ricos do mundo. A prioridade das prioridades foi reconstruir a catedral, porque a barriga enche-se de Cristo e deus está em todo o lado, por isso há-de servir para matar a fome. Para descanso dos haitianos, "Bento XVI informou que reza pelas vítimas, especialmente pelos mortos, pede a proteção de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, patrona do Haiti, e pede a Deus que abençoe toda a população". Amén.
Por cá o Haiti já passa ao lado. Juntámo-nos a causas no Facebook, participámos em correntes e fizemos a nossa parte. Durmamos, então, descansados.
«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e... a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, (...) privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos» José Saramago - Cadernos de Lanzarote
quinta-feira, janeiro 13, 2011
Haiti - um ano
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