quinta-feira, maio 10, 2012

40 anos de Grândola



Há precisamente 40 anos, Zeca Afonso tocou pela primeira vez a Grândola Vila Morena, que viria a tornar-se num símbolo da Revolução.

A 10 de Maio de 1972, em Santiago de Compostela, Zeca cantava-a pela primeira vez, com a ajuda de José Mário Branco. A Galiza comemora a data com um mega-espectáculo com mais de 100 artistas em palco.

Portugal, este pedaço dirigido pelo mofo e escurecido pelo bolor de troikas e baldroikas, esqueceu-se.


terça-feira, maio 08, 2012

Migalhas de Abril*

 
Passaram 38 anos desde o 25 de Abril de 74. Das conquistas de então resta o que nós, enquanto herói colectivo da Revolução quisemos que restasse. Entretanto, já nos idos anos 80, época do soarismo e do socialismo na gaveta, regressou ao país o braço-armado económico da ditadura salazarista. Passaram 38 anos e o país continua a ser governado nos bastidores pelo poder económico de então, pelas mesmas famílias, pelos mesmos interesses, entretanto com rostos renovados.

O retrocesso atroz que vivemos sente-se profundamente, até na música, com gente que viveu e defendeu Abril a apelar agora a que se dêem os restos aos pobrezinhos. Gente que ajudou Abril a ser o que foi e outros mais jovens, que alegam defendê-lo, a darem a cara por uma campanha miserável de caridadezinha tão à imagem da direita mais saudosista do fascismo.

A minha geração também tem culpa. Alguns vêem Abril como ultrapassado, desvalorizando as suas comemorações. Outros, autarcas até, vão às escolas explicar que Portugal viveu numa ditadura durante 30 anos e que o Marcello Caetano era Presidente da República. Para isso mais vale estarem quietos.


Publicado originalmente na edição de Maio do jornal Notícias de Matosinhos*

quarta-feira, maio 02, 2012

Somos umas putas morais - vendemo-nos por 50% de desconto

Ontem, o Alexandre Soares dos Santos cagou numa das mais importantes datas da história da humanidade e descobriu-nos a careca. Somos mais desumanos do que pensamos.

Enquanto os media mainstream se debruçam nas questões legais, do dumping à concorrência desleal - já agora, com o pagamento de um dia e meio de trabalho a cada trabalhador, aliado ao desconto generalizado de 50 por cento na conta final, terá havido algum lucro para a empresa? - o que mais me preocupa é a moralidade de quem levou a cabo a iniciativa e de quem embarcou nela.

Já agora, os media que se fodam mais as "palavras de ordem de sempre", os "conceitos sempre repetidos" mais a conotação pejorativa que lhe dão. Se são as palavras de sempre é porque as reivindicações com décadas continuam a fazer cada vez mais sentido.

Já dizia um poeta brasileiro que "a necessidade é maior do que a moral" e o capital não perdoa. O capital faz-nos não só passar por necessidades como faz-nos acreditar que precisamos do que não precisamos. Ontem, uma parte da população precisou de tudo e mais alguma coisa. Duas conclusões:

Primeiro, o capital mata-nos à fome e oferece-nos depois comida* com 50 por cento de desconto como se fosse uma benesse, um favor que nos faz por enriquecermos o PIB, no caso o da Holanda, enquanto tem impostos reduzidos e paga miseravelmente aos trabalhadores. Basicamente, vende-nos o que produzimos quase de borla de forma a parecer barato - Portugal é um dos países da UE com os custos de trabalho mais baratos. Diz que é o mercado, mais a lei da oferta e da procura. Para mim é só selvagem. O que ontem aconteceu foi dar com uma mão o que têm tirado com as duas.

Segundo, a data escolhida não é ingénua. Podemos todos relativizar, mas não é. É uma afronta a todos os trabalhadores e às suas lutas e fez com que fosse quase esquecida por uma parte da sociedade. Depois, abre o debate sobre o significado do 1.º de Maio, mesmo que muita gente não saiba qual é nem o que representou ao longo de décadas. Relativiza-se tudo, porque "se uns trabalham, outros também podem trabalhar", mesmo que se comparem hospitais e esquadras de polícia a supermercados, sem se perceber o ridículo da coisa. Eu acrescento, em adaptação livre do Saramago: relativizem a puta que vos pariu a todos.

A génese do 1.º de Maio tinha por princípio uma reivindicação clara: oito horas de descanso, oito horas de trabalho e oito horas de lazer. Os trabalhadores, massa insatisfeita, conquistaram mais e mais ao longo dos anos. O capital, com uma sociedade reduzida ao poder do consumo, retaliou. Estamos a viver um momento de viragem histórica. Seja para que lado for.

Por fim, uma palavra de solidariedade para com os trabalhadores das grandes superfícies que ontem foram coagidos a trabalhar, apesar do pré-aviso de greve e para aqueles que tiveram mesmo de aproveitar os descontos de ontem para terem um mês menos difícil. A necessidade foi, para alguns, maior que a moral.

*Por "comida" entendam-se produtos, só para não haver quem diga que não se passa fome em Portugal.