segunda-feira, setembro 27, 2010

Da rua do contador para a rua do ouvidor

Que me perdoe o António Torrado, ídolo da minha infância, o roubo descarado de um livro dele para este espaço de podridão, por entre zeros e uns e outros.

Ouvi há pouco um dos maiores contadores de histórias dos novos tempos, Teixeira dos Santos, afirmar que as reformas laborais, nomeadamente no que respeita à maior facilidade dos despedimentos, ajudou a enfrentar a crise. E terá ajudado, ainda que não os mais de 600.000 desempregados que existem actualmente, aos quais podemos acrescentar os muitos milhares de precários.

Devidamente suportado pela OCDE, o contador sugere um aumento de impostos. Do IVA e do IMI, para acrescentar que uma das medidas propostas por aquele organismos é "manter baixos os salários da função pública para conseguir um ajustamento generalizado dos ordenados".

Portanto, não há necessidade de aumentar os salários para estimular o consumo, sempre com o reforço da produção nacional, mais vale nivelar tudo por baixo. Faz sentido. Tanto sentido como tentar vender anzóis a minhocas.

Na rua do contador não deve haver muitos desempregados, nem idosos com pensões de miséria, nem jovens sem perspectivas de encontrar trabalho. Na rua do contador, que passa por ela no banco de trás do seu topo de gama, com os vidros, fumados, à sombra de um puro.

Na rua do ouvidor as coisas são diferentes. Não há passeios, sequer, nem vidros fumados, tirando o SG Gigante, o Ritz ou o Ventil. E vamos ouvindo e encolhendo os ombros, como se tudo isto fosse tão inevitável como o sol que nasce todos os dias.

E quando percebermos que não é pode ser que as coisas mudem. Até lá, levamos com eles.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Quando for grande quero ter espaço

Quando for grande quero ser bombeiro, polícia, médico, futebolista. Era assim, pelo menos no meu tempo e, com ele, tudo muda. A ideia que tenho é que já não há profissões. Há formação focalizada em determinadas áreas, mas já ninguém é coisa alguma, excepção feita a uma elite que preenche jornais, rádios e televisões.

Esses são tudo e mais alguma coisa. Ganharam até o estatuto de especialistas. Há especialistas em futebol, economia, finanças, médio oriente, avançado oriente, extremo oriente, direito, torto, inclinado e tudo o mais que possa imaginar-se. São precisamente estes senhores e senhoras que roubam espaço à notícia.

Os dias de hoje querem fazer crer que já não precisamos de pensar, porque temos quem pense por nós. Não me refiro a programas específicos de opinião, legítimos, pois claro, mesmo quando a opinião é a mesma por palavras diferentes. Refiro-me ao espaço da notícia, que é cada vez menor, para ceder o lugar a tudo o que é especialista. De há uns anos a esta parte, os media encheram-se com opinião; mais grave ainda: com a mesma opinião. E a notícia, a reportagem, a proximidade entre consumidores de informação e o dever de informar - não dos jornalistas, mas dos órgãos - foi-se perdendo no meio de vaidades e interesses que valem os 15 minutos de fama ou os 2cmx2cm de foto na folha do jornal, com os devidos títulos honoríficos no final da prosa.

E nós, a massa bruta, engolimos a sabedoria que os "sotôres" nos servem de bandeja, porque pensar está fora de moda. Aliás, pensar sempre foi um perigo. Desde sempre que pensar pode ser sinónimo de perceber. E perceber pode ser das coisas mais perigosas que há.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Leça da Palmeira, uma Freguesia a carvão

Já é sabido que, fora da linha de mar, Leça da Palmeira sempre foi uma freguesia que funciona a carvão, mesmo estando nós já na era da fibra óptica. Para os mais desatentos, Leça da Palmeira foi, das 10 freguesias que compõem o concelho de Matosinhos, a última a ter habitação social, pavilhão municipal e quer-me parecer que, tão cedo, não terá uma piscina municipal, já que, no local onde estava prevista a sua construção está a ser erguida uma nova bancada em torno do complexo desportivo da Bataria.

Há muita Leça por descobrir por parte do poder local. Mormente entre a Exponor e o Monte Espinho, ali mesmo, na fronteira com Perafita. O Bairro da Bataria é só mais um exemplo disso. Foi construído sem passeios, porque fora do centro da cidade e dos condomínios fechados a malta não precisa de passeios, tem há anos um parque infantil que não pode ser utilizado por falta de condições de segurança e vive paredes meias com um depósito de carvão a céu aberto. Isto sem referir os falecidos, mas não enterrados, armazéns da Nobre, que convidam à entrada de quem lá passa, seja para matar o vício, seja para vendê-lo. Não havia passadeiras, que foram pintadas à pressa num final de tarde, véspera de uma manhã em que a CDU de Leça da Palmeira levaria a cabo a sua pintura simbólica. Até hoje, as ditas passadeiras continuam sem sinalização vertical que as anuncie.

Também a zona de Gonçalves é uma parte esquecida, salvo os 100 metros de alcatrão que levam à nova loja da Megasport. Gonçalves é a zona onde está o Centro Hípico, que continua em obras de melhoramento. Por trás dele está Gonçalves, que vive com o cheiro a merda dos cavalos e onde, não há muito tempo, um dos moradores dizia que "estão mais preocupados com os cavalos do que com as pessoas". Gonçalves também sobrevive sem passeios, separado por paralelo e alcatrão, mandado colocar à pressa, também em vésperas de uma visita da CDU.

Leça da Palmeira continua a duas velocidades. A da fibra óptica ao centro, com o norte a carvão.