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A forma
cáustica como o nosso 1º Ministro se referiu ao Acórdão do Tribunal Constitucional
(TC) na sua dramática intervenção de 08/04/2013, deu a imagem de um Portugal
governado por um Executivo neurótico.
Reagindo contra o chumbo do TC e ao justificar
as medidas orçamentais inconstitucionais, o Sr. 1º Ministro parece ter querido transmitir
a ideia de que Portugal se rege por uma Constituição da República, tipo
“booklet” para o “alemão” ver e que o TC não devia ser senão uma instância de ressonância políca
dominante ou para jeitos políticos. Não admira por isso, que a Troika se tenha
assustado, propondo realizar uma visita intercalar. É que a UE ainda perfilha
respeito pelas decisões dos tribunais sem trair os seus fundamentos.
A
decisão do TC, ao declarar inconstitucionais os artigos 29º, 31º, 77º e 117º do
OE/13 não colheu de surpresa a grande maioria de portugueses. O sentimento generalizado
era de que justiça tinha que ser feita e assim aconteceu.
Porém, a grande perplexidade do país assenta agora na teimosia do Sr. 1º Ministro, qual governante amuado, em querer causticar os portugueses ainda mais, ameaçando com cortes nos serviços de saúde, segurança social, educação e empresas públicas.
Trata-se, como se sabe, de serviços de que a
população mais necessita para fazer face à sua vivência quotidiana, no sustento
familiar e equilíbrio vivencial, sendo que foi justamente pelos descomensuradas
restrições nestes sectores, que se registaram as maiores e mais numerosas
greves e contestações à política seguida.
Os cortes anunciadas pelo Sr. 1º Ministro revestem-se por isso, a natureza de castigos ao povo pela sua ousadia em reagir e resistir a estas medidas completamente descabidas. Só que este governante, longe de se responsabilizar por esses actos descontrolados, atribui essa responsabilidade ao TC, e isto, apenas porque este tribunal no exercício da sua função e obrigação institucional denunciou a inconstitucionalidade de muitas medidas com que o actual Executivo pretende continuar a governar.
Por
isso, sem pôr em causa a legitimidade existencial deste Governo, o que está
agora irremediavelmente posta em causa
é a legitimidade dos seus actos, por serem inconstitucionais. Um acto
inconstitucional significa singelamente, que o procedimento visado se coloca
fora das balizas traçadas pelos princípios ético/democráticos em que assenta a
“Lei das Leis”.
Neste
aspecto, quer a passividade quer o entendimento do Sr. Presidente da República
em como o Governo continua a ter condições para governar, assumem, no contexto que
se vive, foros de cumplicidade e de adesão ao espectro kapfkiano de conciliar o
sentido da estabilidade governativa para ainda mais agravar o sofrimento do
povo português.
Por norma, qualquer decisão jurídica é passível de discordância, mas uma vez proferida (da decisão do TC não há recurso), ela impõe-se a todos, sem excepção, para ser cumprida, quer agrade ou não. No caso em apreço, havia fundada expectativa quase generalizada - e a profusão de pedidos de inconstitucionalidade o demonstra (desde o PR ao Provedor de Justiça passando por partidos políticos)-, em como inconstitucionalidades no OE/13 seriam declaradas e o Governo tinha bem a percepção desta situação.
Caberia assim a uma governação de
transparência democrática, e segura da sua legitimidade, assumir a sua
capacidade para prosseguir e sobreviver. Ao invés, o Executivo, longe de se
compatibilizar com o veredicto do TC, anunciou já uma má governação por culpa desse mesmo tribunal. Este posicionamento
mais se assemelha a um acto vingativo de um Governo em desespero político, com falha
ética e de capacidade para governar.
O
que naturalmente preocupará a Troika já não será tanto a questão de Portugal
estar em dificuldade para satisfazer os compromissos (outros Grécia e
Chipre em maior dificuldade se safaram até agora),
mas o ter que lidar com um Executivo que não se assume responsavelmente,
vilipendia um Tribunal como anti-poder e ainda por cima, ameaça o povo.
A situação socio-política ainda reinante, poderá permitir a existência fisica de um Executivo do tipo analisado, mas quando a legitimidade dos seus actos é posta em causa por comprovadamente diminuir a capacidade de sobrevivência condigna dos seus cidadãos, fica amplo espaço para reagir através de acções de resistência, espontâneas ou organizadas, podendo gerar procedimentos que descambem em situações nada recomendáveis para um país digno como o nosso.
Se
a democracia dá sinais de risco, faço votos para que esta não fique riscada.
António Bernardo Colaço
Juiz-conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça – jubilado
A ler também este artigo sobre o Artigo 21.º da CRP - Direito de Resistência
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