Os olhos semi-cerrados pela força do sol, logo de manhã, fazem-me pegar nos óculos pretos, riscados, que me turvam a vista, enquanto os Sinais, do Fernando Alves, vão-me guiando pelo meio do trânsito caótico.
Hoje tenho a voz que quiser, porque hoje é o dia dela. Hoje as vozes soam mais alto e mais fortes, todas elas, e não só a do Fernando Alves, que chega a todo o lado, independentemente de ser o dia dela ou não.
A voz de quem a não tem vai sendo dada por roteiros que incluem. Incluem a voz dos mudos que são todos os dias esquecidos, menos um dia por ano, quando passam lá as tv's, as rádios e os jornais, que seguem o Presidente, avidamente, à espera de um registo da sua voz que possa fazer eco da voz dos outros.
Estranho. Não deixo de pensar que é, apenas, um monólogo de um surdo. Que fala mas não inclui na voz aqueles a quem o roteiro devia servir.
Diz ele: Incluir os velhinhos, os desempregados, os deficientes, ou todos aqueles que juntam tudo isto numa só voz, quando a têm. Não sabe, porque, afinal, parece mesmo um monólogo de um surdo, que há instruções expressas para atrasar ao máximo os apoios estatais às crianças com necessidades educativas especiais. É assim na DREN. É assim em todas as DRE's.
Saem caras e não têm voz. Menos hoje, que é o dia dela.
«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e... a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, (...) privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos» José Saramago - Cadernos de Lanzarote
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