Uma das coisas fantásticas da democracia é eu poder fazer o que quiser dela, enquanto palavra ou enquanto conceito.
Não é propriedade de quem quer que seja e todos podemos usá-la. Com ou sem manifestações, com ou sem contestação. Sofremos, depois, as consequências dela. Inerente à sociedade democrática surge a responsabilidade individual. Em democracia, eu posso fazer o que bem entender, sujeito depois às respostas socialmente instituídas, sejam sociais ou judiciais.
Aqui no Porto, o insulto assume uma beleza democrática considerável. Qualquer gajo que não abrande num sinal de aproximação de estrada com prioridade é um filho da puta; se conduzir um topo de gama ainda melhor, porque é um chulo filho da puta, cujo pai é o tio.
Levamos tudo isto no melhor espírito democrático. Nuns dias são eles os filhos da puta, no dia seguinte sou eu. Acho que aqui ganhamos fígados para aguentar estas coisas.
Eu já insultei tantas vezes tanta gente, até a mim, que não há texto legível que aguente tanto palavrão e tantos destinatários. Mas também já fui insultado. Também insultei enquanto manifestante, mas também já fui insultado enquanto manifestante.
Também já insultei figuras públicas, desde políticos, artistas, actores, actrizes, futebolistas, escritores, comentadores, tudo. Mas mesmo tudo. E não me considero por isso menos democrata.
Pode ser difícil de perceber, mas, mesmo assim, tenho respeito pelas instituições e pelas pessoas. O insulto é quase uma interjeição, ainda mais numa manifestação, seja ela política, desportiva, tantas...
Adoro a democracia. Todos os que lutaram e lutam por ela, seja desde 1973 ou desde 1921, merecem o meu respeito, concorde ou não com eles.
Mas negar ao PCP e ao Álvaro Cunhal o seu papel na história da luta democrática é cuspir na memória de muitos milhares de pessoas, como seria negar o papel relevante de Mário Soares até 1974.
Daí em diante, as contas são outras. Mas, até lá, a liberdade foi construída por todos os Álvaros Cunhais e Mários Soares dos partidos e movimentos democráticos de trabalhadores, operários, camponeses, mineiros, militares, intelectuais.
É esta diversidade da liberdade democrática que me permite dizer as enormidades que quiser, assumindo as consequências delas.
É uma consequência democrática da própria democracia, essa grande filha da puta!
«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e... a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, (...) privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos» José Saramago - Cadernos de Lanzarote
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