Obviamente, o PCP votará a favor de qualquer moção de censura a este governo, ao contrário do que fez o PS. Pelo simples facto de que a preocupação do PCP é o povo português e não a agenda política.
Mas tem sido constante, ao longo desta legislatura, de cada vez que o PCP apresenta qualquer proposta, porjecto ou recomendação ao governo, o PS ergue-se da cadeira e considera tudo como um ataque ao partido da mãozinha. Talvez seja peso na consciência pelo desastre desde 2005, e outros mais para trás, em que foi alternando no poder com o PSD e o CDS, quando não em conjunto com eles.
Vamos por partes e aos factos:
Ontem, o PCP, apresentou um projecto de resolução que visava a demissão do governo, de onde retiro a parte final (aqui na íntegra):
"A Assembleia da República considera indispensável e urgente a demissão do Governo e a convocação de eleições legislativas antecipadas com vista a assegurar a imediata interrupção da atual política e garantir o regular funcionamento das instituições democráticas, no respeito pela Constituição.
Assembleia da República, em 20 de Março de 2013"
O que haveria aqui para o PS discordar de forma tão veemente, que o levaria a votar contra? Calculismo político, em lugar de responder aos anseios do povo português, depois de PSD e CDS terem perdido a sua base social de apoio.
Vamos então puxar o filme mais atrás e verificar o texto da moção de censura apresentado pelo PCP em 20 de Junho de 2012, na qual o PS se absteve violentamente, bem como as justificações do PS:
O que disse o PS: "Há muitas razões para censurar o Governo e a política que está a ser posta em prática não é uma boa política. O PS não está ao lado do Governo, mas é construtivo e a moção de censura do PCP não contribuiria em nada para resolver os problemas dos portugueses".
O que dizia a moção de censura do PCP (aqui na íntegra):
"Com a recessão agrava-se brutalmente o desemprego, a atingir mais de 1 milhão e 200 mil trabalhadores, sem perspetivas de real diminuição, agravado pela falta de proteção social que decorre, por exemplo, do facto de menos de 300 mil destes trabalhadores (menos de um quarto), terem acesso ao subsídio de desemprego.
A par disso, o custo de vida aumenta cada dia que passa, nos preços dos bens e serviços essenciais (água, eletricidade, gás, alimentação, transportes), nos impostos sobre os trabalhadores e a população, ou nas taxas cobradas pelos serviços públicos
Mas também nas funções sociais do Estado com: a desagregação em curso do Serviço Nacional de Saúde, o encarecimento e a crescente dificuldade no acesso aos cuidados de saúde, através do aumento das taxas moderadoras, dos medicamentos, do pagamento dos transportes de doentes, da demora para exames, tratamentos e cirurgias, do encerramento de unidades e diminuição dos seus horários, entre outras medidas; o ataque à escola pública através do despedimento de professores e funcionários não docentes, da mega concentração das escolas e de um processo de empobrecimento curricular e pedagógico; a progressiva elitização do ensino superior, com o aumento das propinas e a ausência de uma verdadeira ação social escolar; a negação ou a diminuição de prestações sociais a centenas de milhares de pessoas, num caminho inverso ao das crescentes necessidades criadas pela crise e em que progressivamente se procura disfarçar a retirada de direitos com assistencialismo exacerbado, aliás de reduzido efeito concreto nos problemas sociais de fundo".
Há um ano, o PS não via qual era a pressa em derrubar este governo. Os motivos? Os motivos são a cumplicidade e a conivência. Recordemo-nos, por exemplo, da abstenção outra vez violenta na votação do orçamento de Estado para 2012 e do que dizia então Seguro: "António José Seguro reiterou que quer "evitar que Portugal passe pelo que a Grécia está a passar" e que nunca fará ao país "o que o líder da oposição grega está a fazer à Grécia", recusando entendimentos com o primeiro-ministro".
Este poderia ser um momento de consenso nacional, um PS que, finalmente, veria o povo na miséria em vez dos mercados. Mas não é. É apenas um PS que aprovou todos os tristemente célebres Pactos de Estabilidade e Crescimento (PEC) com o PSD. E depois, quando apresentou o PEC IV, estava à espera de ter o apoio do PCP. Não, não estava. E sabia-o porque o PEV IV não era mais do que um agravamento das condições de vida semelhante ao que agora vivemos.
Basta ver o documento entregue ontem na AR pelo PCP sobre as medidas constantes no PECIV:
PEC IV
TODA A VERDADE
PEC IV – março de 2011
Medidas adicionais para
2011:
- Corte total de 1360 milhões; saúde – 85 milhões; SEE -170
milhões; AP, incluindo FSA -170 milhões; segurança social -170 milhões; despesa
de capital (investimento público) 595 milhões.
- Saúde – redução de custos com medicamentos, sendo que o
balanço do ano de 2011 se traduziu de facto numa redução da despesa do Estado
em 19,2% mas em paralelo num aumento de 9,3%, isto é mais 66 milhões de euros,
de despesa para os utentes.
- Corte despesa SEE em 15%. Traduziu-se por exemplo em
aumentos médios que segundo o Governo eram de 15%, mas que em muitos casos de
passes e outros títulos de transportes muito utilizados chegou aos 20 ou 25%.
- Corte nos serviços públicos (administração direta e SFA –
exceto SNS, CGA e ensino superior)
- Corte no investimento público, designadamente escolas,
equipamentos coletivos e infra estruturas de transportes em 400 milhões de
euros
- Aumento de receitas com concessões do jogo, comunicações e
energia e também venda de património
Para 2012 e 2013 em
concreto quadro II.2, página 15 e seguintes
Despesa:
- Redução da despesa em pensões 425 milhões de euros em 2012
- Redução de custos com medicamentos e subsistemas públicos
de saúde 510 milhões em 2012 e 170 milhões em 2013, dos quais: acordo com a
Apifarma de redução de 140 milhões em 2012 de que não se sabe exatamente o
resultado, sabendo-se contudo do já referido aumento dos custos com
medicamentos para os utentes em 66 milhões de euros; corte nos hospitais
públicos de 5% em 2012 e 4% em 2013; corte na saúde dos trabalhadores da
administração pública (ADSE e outros) de 170 milhões; agregação em centros
hospitalares e agrupamentos de centros de saúde, corte de 10 milhões em 2012 e
20 milhões de 2013.
- Encerramento de escolas e outros cortes na educação,
incluindo mega agrupamentos – redução de 340 milhões em 2012 e 170 milhões em
2013.
- Outros cortes na administração pública (“consumos
intermédios”) 340 milhões em 2012 e 170 milhões em 2013, incluindo por exemplo
“racionalização da rede de tribunais”, isto é, encerramento de tribunais equivalente
ao corte de 60 milhões em 2012 e 2013.
- “Controlo da atribuição das prestações sociais”, isto é, agravamento
da aplicação da condição de recursos nas prestações sociais, restrições ao
acesso ao subsídio de desemprego e de doença, congelamento até 2013 do IAS com
consequência em todas as prestações que lhe estão indexadas e em paralelo
aumento de cobrança de contribuições aos trabalhadores no valor de 340 milhões
em 2013.
- Reduções no SEE, designadamente indemnizações
compensatórias (por exemplo no serviço público de rádio e televisão), planos de
investimentos e custos operacionais (por exemplo investimentos em escolas,
outros equipamentos e infraestruturas de transportes) 595 milhões em 2012 e 170
milhões em 2013.
- Corte regiões autónomas e autarquias 170 milhões em 2012.
Receitas:
- Redução das deduções e benefícios em IRS, isto é, aumento deste imposto, com aumento de receita (em conjunto com alterações ao IRC) de mais 680 milhões em 2012 e 170 milhões em 2013.
- Aumento do IRS para reformados e pensionistas (nivelamento
por baixo da dedução específica) em 255 milhões de euros a partir de 2012.
- Alteração de taxas do IVA (“progressiva simplificação”) com
um aumento de cobrança de receitas de 170 milhões em 2012 e 510 milhões em 2013.
- Aumento de outros impostos sobre o consumo em mais 255
milhões em 2012.
Entretanto o PEC IV vangloria-se de medidas já em curso
(“reformas estruturais”) como a chamada “melhoria da flexibilidade e
adaptabilidade do mercado de trabalho com uma revisão da legislação laboral que
teve importantes reflexos, por exemplo, no indicador de flexibilidade do
mercado de trabalho construído pela OCDE”. Trata-se afinal da conhecida revisão
para pior, pela mão de Vieira da Silva, do código de Bagão Felix. Aliás com o
PS tivemos: o fim do princípio do tratamento mais favorável; uma ainda maior
generalização da precariedade por exemplo com um novo contrato de trabalho
intermitente; a alteração do período experimental para 180 dias (depois
declarada inconstitucional); a desregulamentação dos horários de trabalho com
os bancos de horas, as adaptabilidades e medidas afins; facilitação do processo
de despedimento e diminuição dos recursos de defesa dos trabalhadores; o ataque
à contratação coletiva com a caducidade dos contratos; o ataque à liberdade de
organização sindical e ao direito à greve, designadamente com a tentativa de
instituição abusiva de regras de serviços mínimos.
Facto significativo também é o compromisso com a “antecipação
do programa de privatização” face ao PEC III, prevendo-se um valor de 2.184, 2.255
e 1.145 milhões respetivamente em 2011, 2012 e 2013.
Posto isto, a questão que se coloca não é qual é a pressa, mas sim a que se deveu a demora? Pessoalmente, acho que se deveu à confiança abusiva na memória curta dos portugueses.
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